ANDRÉ BORGES
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)
O Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) fez uma crítica direta à meta do governo Lula e ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) sobre o compromisso de eliminar o desmatamento ilegal em todos os biomas do país até 2030 e declarou que se trata de um plano inviável, sem conexão com a realidade.
A declaração consta de uma avaliação formal realizada nesta semana, a partir de um pedido do MMA. A Folha teve o aos documentos que incluem a análise da pasta da Agricultura.
O objetivo do Mapa era avaliar uma solicitação do MMA sobre o Plano Setorial de Uso e Cobertura da Terra em Áreas Públicas. Esse plano, que é interministerial, está em fase de elaboração e é coordenado pelo MMA. Ele faz parte das ações para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, ao organizar e controlar o uso de terras públicas, com combate ao desmatamento ilegal e ocupações irregulares.
Ao abordar o Mapa, a pasta comandada pela ministra Marina Silva queria que seu vizinho de Esplanada apontasse sugestões para melhorar uma das ações previstas no plano, que é a de “monitorar as cadeias produtivas”, medida que tem como meta zerar o desmatamento ilegal em áreas públicas de todos os biomas.
O Mapa, em seu parecer interno, foi direto sobre o que pensa do assunto. “Consideramos ainda relevante registrar que entendemos que o aceite da desejável ação ‘Eliminar o desmatamento ilegal em áreas públicas de todos os biomas brasileiros’ como fora da realidade e da razoabilidade, sendo de forma prática impossível de ser cumprida”, afirmou.
A manifestação da Coordenação de Cooperação para o Desenvolvimento Sustentável do Mapa foi encaminhada para outro setor do ministério, a Coordenação de Mudança do Clima e Desenvolvimento Sustentável. A reportagem questionou o Mapa sobre o assunto, mas não obteve resposta até a publicação deste texto.
Em sua solicitação de colaboração, o Ministério do Meio Ambiente também citava a proposta de se desenvolver um “Plano Nacional de Rastreabilidade”, com mecanismos para rastrear produtos agropecuários em terras públicas. Sobre esse ponto, o Mapa declarou que esse plano não existe dentro da pasta e que “a iniciativa hoje em desenvolvimento se refere apenas à rastreabilidade individual de bovinos e bubalinos (búfalos)”.
O parecer é concluído com a proposta para que o Mapa peça “a exclusão total” daquelas ações incluídas no plano ou que, “pelo menos”, deixe de ser o responsável por essa ações.
Em nota, o MMA destacou que o plano de zerar o desmatamento ilegal até 2030 não é uma ambição individual, mas uma missão formal assumida por todo o governo.
“O compromisso de zerar o desmatamento até 2030 consta do Balanço Global aprovado na COP28 (realizada em 2023, em Dubai). A NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada, na sigla em inglês) submetida pelo governo brasileiro em novembro de 2024, durante a COP29, reafirma o compromisso de zerar o desmatamento até 2030, por meio da eliminação do desmatamento ilegal e da compensação da supressão legal da vegetação nativa”, declarou a pasta.
O MMA também frisou que não se trata de uma determinação isolada. “Esse compromisso consta nos PPCDs (Planos de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento) assinados por 19 ministérios – incluindo o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) – e tem sido reiterado em diferentes ocasiões pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pela ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva.”
Além da eliminação do desmatamento ilegal até 2030, o plano abrange ações como recuperação da vegetação nativa, ordenamento territorial e regularização fundiária. “Trata-se de um compromisso de todo o governo, que requer empenho e ações sinérgicas de todos os órgãos federais, além de estados e municípios, setor privado e sociedade civil”, afirmou o MMA.
Responsável por consolidar o plano, a pasta citou, ainda, a retomada das ações de controle do desmatamento e alguns de seus resultados. Até julho de 2024, houve uma redução de 45,7% na taxa de desmatamento na amazônia, em relação ao mesmo período de 2022. No Cerrado, a queda foi de 23,5%, conforme os dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
“Alcançar a meta de zerar o desmatamento requer a continuidade e a ampliação das ações em curso, além da mobilização de novos instrumentos e o comprometimento de todos os setores do governo federal”, declarou o MMA.
O Brasil assumiu, em 2023, a meta de eliminar o desmatamento ilegal até 2030 em todos os biomas, seja em áreas públicas ou privadas. A meta faz parte dos compromissos ambientais do Brasil firmados no âmbito do Acordo de Paris.
Após sofrer ataques e ver a flexibilização do licenciamento ambiental ser aprovada com apoio da base do governo Lula, a ministra Marina Silva negou, em entrevista à Folha, que seja alvo de isolamento e disse que a agenda ambiental avança, mesmo com divergências.
Sua agenda sofreu derrotas no Congresso nos últimos anos, sem muita resistência do governo. Marina discorda, diz que há apoio e que o Executivo implementa suas medidas.
“Tem muita gente que está do lado da proteção ambiental. O governo tem agido, mesmo em meio a contradições, do fato de sermos uma frente ampla, respondendo às necessidades da agenda ambiental. Você acha que a gente teria reduzido o desmatamento no Brasil inteiro se não fosse o esforço do governo, com 19 ministérios trabalhando junto?”, disse à Folha de S.Paulo.