Por Renata Bueno*
Nos últimos dias, a proposta do Papa Leão XIV para mediar um diálogo entre Rússia e Ucrânia reacendeu esperanças de uma solução diplomática para o conflito que assola o leste europeu desde fevereiro de 2022.
A iniciativa, que conta com o apoio de líderes internacionais como Donald Trump, Volodymyr Zelensky, Giorgia Meloni, Emmanuel Macron, Friedrich Merz, Alexander Stubb e Ursula von der Leyen, busca posicionar o Vaticano como espaço neutro e legítimo para negociações de paz.
Desde o anúncio inicial, novos desdobramentos evidenciam tanto as possibilidades quanto os desafios dessa proposta, que pode representar um marco histórico na diplomacia contemporânea.
Desde que assumiu o pontificado há apenas duas semanas, Leão XIV, o primeiro Papa norte-americano, tem se destacado por uma postura proativa na defesa da paz mundial. Em sua primeira oração dominical, no dia 11 de maio, reforçou o apelo por uma “paz justa e duradoura” na Ucrânia, além de clamar por um cessar-fogo em Gaza e por estabilidade na Caxemira.
Poucos dias depois, em 14 de maio, declarou oficialmente que a Santa Sé está pronta para “reunir inimigos cara a cara”. Em 18 de maio, recebeu o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky no Vaticano, após a missa inaugural de seu pontificado.
Na ocasião, Zelensky agradeceu pela disposição da Santa Sé em acolher possíveis negociações e ressaltou o papel estratégico que o Vaticano pode desempenhar na busca pelo fim da guerra.
A proposta papal rapidamente obteve respaldo internacional. A primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, confirmou em 20 de maio, após conversa telefônica com o Papa, que o governo da Itália apoia a iniciativa, considerando-a fundamental para romper o ime diplomático.
Donald Trump, por sua vez, anunciou em sua rede Truth Social que teve uma “excelente” conversa de duas horas com Vladimir Putin e que defende a retomada imediata das negociações, tendo o Vaticano como sede ideal.
A Ucrânia expressou abertura ao diálogo “em qualquer formato”, enquanto líderes europeus como Ursula von der Leyen e Emmanuel Macron também manifestaram apoio à mediação vaticana.
A Igreja Católica tem uma história consolidada de mediação em conflitos internacionais, como na disputa entre Argentina e Chile nos anos 1980 e na aproximação entre Cuba e Estados Unidos em 2016. No entanto, o conflito entre Rússia e Ucrânia apresenta particularidades desafiadoras.
Moscou insiste em manter suas anexações territoriais como premissa para qualquer acordo, condição inaceitável para Kiev e seus aliados, que defendem a integridade territorial ucraniana como base inegociável.
A expressão usada pelo Papa: “paz justa”, também causou desconforto no Kremlin, que a interpreta como um alinhamento ao Ocidente. Além disso, persiste uma desconfiança histórica da Rússia em relação ao Vaticano.
Apesar disso, o Papa mantém canais de diálogo abertos com Moscou, sobretudo através de relações ecumênicas com a Igreja Ortodoxa Russa, liderada pelo Patriarca Kirill. Tentativas paralelas de mediação continuam a ocorrer, como nas negociações em Istambul no dia 16 de maio, que terminaram sem avanços após duas horas de reuniões, marcadas pela ausência de Putin e pela recusa ucraniana a propostas que não incluam um cessar-fogo imediato.
No entanto, houve progressos humanitários importantes: em 23 de maio, Ucrânia e Rússia realizaram uma troca de 270 prisioneiros de guerra e 120 civis de cada lado, primeira etapa de um acordo que prevê a libertação de mil prisioneiros por país. A Santa Sé, juntamente com o Catar, também tem desempenhado papel relevante na libertação de crianças ucranianas deportadas para a Rússia, tema que Leão XIV destacou reiteradamente em seus discursos. Apesar desses avanços, a guerra segue intensa.
Ataques russos com drones e mísseis continuam, como o que atingiu Kiev em 23 de maio, provocando mortes de civis.
A Ucrânia, por sua vez, tem ampliado ofensivas com drones, como o ataque de grandes proporções a Moscou no dia 21 de maio.
Esses episódios sublinham tanto a urgência de um cessar-fogo quanto a fragilidade de qualquer tentativa de acordo num cenário de hostilidades ativas. A mediação proposta por Leão XIV representa uma janela rara de oportunidade.
A neutralidade do Vaticano, somada à sua autoridade moral e histórica, oferece um terreno fértil para o diálogo. No entanto, alcançar uma solução exige não apenas boa vontade, mas compromisso político real das partes envolvidas.
Para milhões de ucranianos e russos, o conflito trouxe perdas irreparáveis, vidas ceifadas, famílias separadas, cidades devastadas e laços de confiança rompidos. Um cessar-fogo seria apenas o início de um processo de reconstrução mais profundo, que precisa incluir a restauração de relações humanas e a reconstrução da estabilidade regional.
A célebre frase de João Paulo II continua atual: a paz exige verdade, justiça, amor e liberdade. Nesse espírito, a comunidade internacional deve acolher com responsabilidade a proposta do Vaticano, incentivando o diálogo acima de interesses geopolíticos que apenas prolongam o sofrimento.
Num mundo cada vez mais dividido, a diplomacia serena e firme do Papa Leão XIV surge como um sinal de esperança.
Se bem-sucedida, sua atuação poderá não apenas encerrar um dos conflitos mais devastadores do século XXI, mas também recolocar a Igreja Católica no centro do debate global sobre a paz. O caminho é difícil, mas, como bem disse o pontífice, “os povos querem a paz”. Que os líderes, enfim, estejam à altura desse clamor.
