DOUGLAS GAVRAS
LAMBAYEQUE, PERU (FOLHAPRESS)
Peregrinos católicos, jornalistas e curiosos invadiram nas últimas semanas o triângulo formado pelas cidades de Trujillo, Chiclayo e Piura, no noroeste do Peru, desde que Robert Prevost, norte-americano com nacionalidade peruana, citou o país latino onde viveu por duas décadas em seu primeiro discurso como papa Leão 14.
Mas a região costeira próxima ao Equador, que agora entrou na rota dos cristãos, também guarda relíquias de uma cultura antiga.
A pouco mais de dez quilômetros de onde o novo pontífice viveu por uma década, está um dos principais sítios arqueológicos da cultura moche e onde foi descoberta a tumba do Senhor de Sipán em 1987, em uma expedição liderada pelo arqueólogo Walter Alva.
O Senhor de Sipán era um líder guerreiro dos moche, que prosperaram entre os séculos 1º e 7º d.C., e essa foi a primeira descoberta de uma tumba real de uma civilização peruana anterior aos incas em boas condições de preservação.
O governante foi enterrado com joias, cerâmicas e oferendas de cobre e ouro, além de oito pessoas ao seu redor: três mulheres, um comandante, um vigia, um guardião, um porta-estandarte e uma criança. Ele também estava sepultado com duas lhamas e um cachorro.
O entendimento é que os membros da corte que acompanham o Senhor de Sipán em seu túmulo foram alvos de sacrifícios em sua homenagem.
Parte desses achados está no Museu das Tumbas Reais de Sipán, que fica em Lambayeque, a cerca de 20 minutos de carro do centro de Chiclayo.
A descoberta transformou o entendimento dessa civilização e é considerada uma das maiores revelações da arqueologia moderna. A equipe de Alva encontrou a tumba intacta, algo raro na região, onde diversas tumbas já tinham sido saqueadas.
As escavações revelaram um acervo de oferendas com mais de mil peças de cerâmica. O sarcófago real continha cerca de 500 objetos ornamentais, incluindo uma coroa.
A importância também está na descoberta de como os moche usavam materiais como metais preciosos, conchas e pedras semipreciosas. Alguns dos destaques da coleção são colares e brincos usados pelo soberano, que misturam ouro, conchas e pedras marinhas.
Outras peças retratam uma visão de mundo particular dos moche, com representações de figuras humanas, divindades, seres mitológicos e cenas de rituais e batalhas. Em um dos conjuntos expostos do museu, o ciclo da vida é retratado por diferentes esculturas, desde a concepção até o pós-morte.
A cultura moche, também chamada de mochica, abrangeu os vales de Chicama e Trujillo. Ela se estendeu do vale Huarmey, ao sul, até o vale Piura, ao norte, influenciando até as ilhas Chincha. Esse povo desapareceu mil anos antes do domínio inca.
Segundo a Enciclopédia de História Mundial, a capital, que também se chamava Moche, foi construída ao pé do Cerro Blanco e ocupava uma área de 300 hectares. Continha espaços urbanos, praças, armazéns e monumentos -entre os quais duas grandes pirâmides, que ficam próximas de onde está a cidade de Trujillo.
A maior delas, Huaca del Sol, foi erguida com 140 milhões de tijolos; a menor, Huaca de la Luna, com 50 milhões de tijolos. Os conquistadores espanhóis, ao desviar o rio Moche, danificaram a Huaca del Sol e saquearam as tumbas.
As construções ao redor incluíam residências grandes e campos organizados. A agricultura se beneficiava de um sistema avançado de irrigação. As descobertas mostram a relação da religião com a vida cotidiana e desastres ambientais, além do papel importante das mulheres em cerimônias religiosas.
A religião moche foi influenciada pelas culturas chavin e chimu e, embora o conhecimento sobre o panteão de divindades seja incompleto, os destaques são Aiapaec (o deus criador) e Si (a deusa da lua).
Sacrifícios humanos eram oferecidos para apaziguar o deus, especialmente de prisioneiros de guerra, e a arte moche é frequentemente adornada pela imagem de Aiapaec e representações de sacrifícios.
As autoridades peruanas agora contam com o turismo que a escolha do novo papa deve gerar na região para também promover os locais de visitação da cultura moche.