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Como a guerra entre Israel e o Hamas afundou a ideia de um Estado palestino

“É muito cedo para pensarmos em tudo isso, primeiro os reféns precisam voltar e depois podemos pensar em reconstruir essas pontes”, avalia Dalia Cusnir

Redação Jornal de Brasília

06/06/2025 22h23

Foto: SAID KHATIB / AFP

Tel-Aviv, 05 – A paz com os palestinos é um tema que gera incerteza e dúvida para os israelenses. O trauma dos ataques do Hamas no dia 7 de outubro de 2023 segue vivo e a guerra na Faixa de Gaza continua a todo vapor. Não existem planos concretos para o pós-guerra e é difícil imaginar um futuro para além do dia de amanhã.

Por isso, mesmo que a maioria dos israelenses queira o fim da guerra e volta dos 58 sequestrados, segundo as pesquisas de opinião, a criação de um Estado palestino segue pendente e deve continuar assim.

“É muito cedo para pensarmos em tudo isso, primeiro os reféns precisam voltar e depois podemos pensar em reconstruir essas pontes”, avalia Dalia Cusnir, cunhada de Eitan Horn, refém argentino-israelense que segue na Faixa de Gaza.

Dalia conta que sempre acreditou na paz com os palestinos e era a favor de um acordo para a criação do Estado palestino, mas os ataques de 7 de outubro mudaram a sua percepção sobre o conflito “Naquele dia, não foram só terroristas que invadiram Israel. Nós sabemos de histórias de reféns que foram sequestrados por civis de Gaza e depois foram vendidos para o Hamas”.

Prioridades

A sensação de trauma e desconfiança em relação aos palestinos diminuiu a possibilidade de dialogo e aumentou as preocupações de segurança da população, que sentiu que a própria existência do Estado de Israel estava em risco após os ataques que deixaram 1,2 mil mortos e 250 sequestrados no sul do país.

“Para qualquer sociedade que tem uma experiência de violência, como foram os ataques de 7 de outubro, existe uma resistência em conversar com o outro lado”, avalia Yuval Benziman, professor de ciências políticas da Universidade Hebraica de Jerusalém.

A guerra que já dura mais de 600 dias fez com que os israelenses mudassem as suas prioridades, de acordo com a parlamentar israelense Efrat Rayten, do partido Os Democratas, de centro-esquerda. “Antes da guerra, a maioria das pessoas em Israel aceitava a criação de um Estado palestino, mas agora entendemos que o Hamas quer nos destruir e não temos alguém para conversar do outro lado”.

Segundo Efrat, garantir a segurança de Israel virou a questão mais importante para o futuro. “Primeiro vamos assegurar a manutenção do meu povo. Todo o resto ficou para trás e com certeza a discussão sobre a solução de dois Estados regrediu”.

A parlamentar é contra a continuidade da guerra e defende um acordo de cessar-fogo para a libertação dos reféns. Para ela, que é da oposição ao primeiro-ministro Binyamin Netanyahu, Israel precisa de um novo Yitzhak Rabin, primeiro-ministro que foi o arquiteto dos Acordos de Oslo, em 1993.

O partido Os Democratas é uma junção do antigo Partido Trabalhista, de Rabin, e o Meretz. “Rabin é um ícone do Partido Trabalhista e ele sabia da importância de conseguirmos juntar a nossa necessidade de segurança e paz ao mesmo tempo”, diz Efrat

Paz em segundo plano

Rabin foi o último primeiro-ministro israelense a avançar na questão palestina. Nos Acordos de Oslo – que foram negociados por ele e o líder palestino Yasser Arafat – a Autoridade Palestina (AP) foi criada como órgão de governo provisório e a Cisjordânia foi dividida em três partes, entre israelenses e palestinos.

A ideia era que os acordos fossem provisórios, até que em 1999 um Estado palestino fosse criado mediante a novas negociações. Mas em novembro de 1995, Rabin foi assassinado por um extremista judeu e nenhum outro esforço foi para frente.

Os primeiros-ministros Ehud Barak e Ehud Olmert tentaram avançar na questão, mas líderes palestinos recusaram as propostas por conta de divergências sobre o status de Jerusalém Oriental e os locais sagrados para muçulmanos e judeus na cidade velha e o direito de retorno de refugiados palestinos.

A desilusão com o processo de paz, aliada a uma série de ataques terroristas e atentados a bomba em Israel no inicio dos anos 2000, fez com que os partidos de esquerda perdessem força em Israel. Nas últimas eleições legislativas, em 2022, o Partido Trabalhista teve menos de 4% dos votos.

A situação ficou ainda pior depois da volta de Netanyahu ao poder com a coalizão mais extremista da história de Israel, que conta com os ministros Itamar Ben-Gvir, da Segurança Nacional, e Bezalel Smotrich, da Economia. Os dois políticos defendem a expansão dos assentamentos na Cisjordânia, a volta dos israelenses para Gaza e a expulsão dos palestinos.

Mesmo com o complexo panorama político, o professor da Universidade Hebraica de Jerusalém, Yuval Benziman, avalia que a solução de dois Estados segue sendo a única alternativa viável para resolver o conflito. “Houve momentos em que mais de 50% dos israelenses apoiaram a solução de dois Estados. Atualmente apenas um terço apoia, mas ninguém tem outra solução e o 7 de outubro mostrou que precisamos falar sobre isso”.

A busca por uma solução justa é defendida pelo movimento Standing Together, que cria pontes entre árabes e judeus em Israel. O movimento é contra a guerra e tem sido ativo nos protestos pela volta dos reféns e o fim do conflito que já deixou mais de 50 mil palestinos mortos, segundo o ministério da Saúde de Gaza, que é controlado pelo Hamas e não diferencia civis de combatentes.

Em entrevista ao Estadão, a ativista Ella Lotan, uma das líderes do movimento, defendeu que a paz é uma ferramenta para garantir que ataques como os do 7 de outubro não ocorram novamente.

“Se enfrentarmos o Hamas apenas com o poder militar, então só receberemos de volta ataques como o 7 de outubro de 2023”, disse ela. A ativista avalia que o governo Netanyahu contribuiu para o fomento do ódio contra os palestinos. “Netanyahu está tentando criar a narrativa de que somos inimigos dos palestinos e tudo é justificado quando se está enfrentando um inimigo”.

Segundo a israelense, o primeiro-ministro está usando a guerra como pretexto para ocupar a Faixa de Gaza e expulsar os palestinos do território. No começo de maio, o gabinete de segurança de Israel aprovou um plano para expandir a campanha militar e ocupar 75% do território palestino. Já os civis de Gaza iriam para uma “zona humanitária” em Rafah, cidade que fica no sul de Gaza e faz fronteira com o Egito.

“O futuro que Netanyahu enxerga é um futuro de cada vez mais ocupação, enquanto nós pensamos em um futuro de paz e prosperidade para todos que vivem aqui”.

Futuro palestino

A possível expulsão dos palestinos de Gaza reflete a dificuldade de diálogo na região em busca de uma solução duradoura.

Os Acordos de Oslo, que dividiram a Cisjordânia em três áreas, não são respeitados e os assentamentos israelenses crescem de forma sistemática. Colonos judeus apoiados por Ben-Gvir e Smotrich já invadiram e vandalizaram diversas vilas palestinas e muitos ativistas já foram presos pelo Exército de Israel.

Do lado palestino, a Autoridade Palestina (AP) se tornou uma instituição corrupta e com domínio reduzido da Cisjordânia, por conta da presença de diversos grupos terroristas como Hamas, Jihad Islâmica e as Brigadas de Jenin no território, que realizam constantes ataques terroristas contra israelenses na região.

Essa é uma das razões pelas quais Israel diz que não confia na Autoridade Palestina para istrar Gaza em um futuro pós-guerra, mesmo depois de EUA, União Europeia e países árabes ressaltarem que querem contribuir para uma revitalização da entidade.

Para Benziman, Israel não tem uma estratégia clara para o futuro da Faixa de Gaza, mas precisa aceitar que é necessário trabalhar com lideranças palestinas da AP para retirar o Hamas do poder. “A solução deve ar por uma espécie de coalizão internacional, composta por países árabes, mas também por nações do Ocidente. Os palestinos poderiam ser representados pela Autoridade Palestina e por lideranças de Gaza para controlar o local. Isso pode funcionar e dar garantias de segurança para Israel”.

A sugestão do especialista é similar a uma proposta da Liga Árabe para a reconstrução de Gaza, que foi formulada em resposta ao plano do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de assumir o controle do território e deslocar palestinos de Gaza. Não está claro se Israel aceitaria a proposta.

Familiares de reféns querem paz

Com o futuro da região ainda incerto, familiares de reféns entrevistados pelo Estadão apontam que -apesar dos traumas causados pelos ataques de 7 de outubro- não querem a expulsão dos palestinos de Gaza e desejam a paz na região.

“Todos queremos paz. Eu não quero que as pessoas de Gaza vivam em uma tenda, quero que tenham uma vida digna. A chave para isso é libertar os reféns para avançarmos no resto”, aponta Dalia Cusnir, cunhada do refém Eitan Horn.

Já Vicky Cohen, mãe do sequestrado Nimrod Cohen, aponta que a ofensiva militar israelense em Gaza coloca os reféns e os civis de Gaza em perigo. Para ela, o plano de anexar partes do território palestino é absurdo. “Gaza não é um território israelense”, completa.

*O repórter viajou a Israel a convite do Consulado de Israel em São Paulo

Estadão Conteúdo

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