Um dos nomes mais respeitados do cenário político e acadêmico do Brasil, o ex-governador de Minas Gerais, ex-senador, ex-ministro do Trabalho, professor e atual ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), Antonio Anastasia, é o entrevistado da semana. Na conversa com o Jornal de Brasília, ele falou sobre o seu trabalho e os desafios na corte de contas, além de comentar a experiência na política nacional e sua trajetória acadêmica.
A carreira do senhor é marcada por uma sólida formação acadêmica e uma extensa experiência na istração pública. Como essa combinação influencia em sua atuação atual no TCU, especialmente na busca por uma gestão pública mais eficiente e transparente?
Eu acredito que o constituinte brasileiro foi muito sábio ao compor o Tribunal de Contas da União com pessoas oriundas quer do Poder Legislativo, quer do Executivo, mas sempre com comprovada experiência na istração pública. E o fato, no meu caso específico, na minha trajetória, de ter sido ocupado vários cargos no governo estadual de Minas, até governador, depois senador e professor de Direito istrativo, de fato contribui com uma certa experiência para discutir aqui com meus pares, que igualmente têm cada qual a sua excelente experiência, na busca das soluções mais adequadas. O tribunal tem hoje papel muito relevante no Brasil, inclusive robustecido pela Constituição de 1988 quando nos conferiu o poder de fazer a chamada auditoria operacional, qual seja buscar os resultados da istração. A istração pública brasileira vem sofrendo ao longo das últimas décadas uma evolução muito rápida e o tribunal tem participado disso, de modo de fato a ter uma istração mais gerencial, uma istração mais técnica, baseada em resultados, em metas e o tribunal portanto acompanha esse tipo de proposta. E acho que a nossa experiência, minha e dos meus colegas, todos nós já veteranos, experimentados, quando chegamos aqui, temos condições de fato, de identificar quais são as soluções mais adequadas no âmbito da nossa competência.

Durante a gestão do senhor como governador de Minas Gerais, o ‘Choque de Gestão’ foi uma política emblemática. Quais aprendizados dessa iniciativa o senhor considera mais relevantes para os desafios atuais da istração pública brasileira?
Eu acredito na verdade, o choque de gestão foi uma concepção realizada há alguns anos em Minas Gerais, e teve como núcleo duro exatamente a ideia de aperfeiçoar a gestão pública. Eu pessoalmente acredito que a melhoria das políticas públicas no Brasil de educação, saúde, segurança, infraestrutura entre tantas outras, elas dependem necessariamente de uma melhoria prévia da gestão pública. E nós do Brasil infelizmente nunca apostamos na gestão pública de maneira que consideramos adequada. Veja você que desde a extinção do Departamento istrativo do Serviço Público (DASP) em 1986, ou seja, a quase 40 anos, até hoje nós não tivemos outro órgão central no Brasil que cuide da istração pública. Temos o Itamaraty da política externa, temos a Receita Federal para questões financeiras, o Banco Central para questões monetárias, e a istração pública que é a mais importante está aí esquartejada. Então eu acho que o mais importante é a prioridade da istração pública. Então o choque de gestão acho que teve esse grande mérito, demonstrar que a gestão pública é o eixo fundamental para uma política integrada e um desenvolvimento socioeconômico consistente no Brasil, porque aí nós teremos de fato uma burocracia estável no sentido positivo da palavra, nós teremos condições como os países europeus e países mais desenvolvidos, de ter uma organização pública eficiente, técnica, propositiva, moderna e voltada, reitero e insisto, para a ideia de resultados.

Como senador, o senhor teve papel de destaque em momentos cruciais da política nacional, como a relatoria do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Como essa experiência moldou sua visão sobre a importância do equilíbrio entre os poderes e a responsabilidade institucional?
Eu fiquei sete anos no Senado da República e foi um período muito feliz na minha vida, da minha trajetória política istrativa. Os mineiros me honraram com a sua confiança para representar o estado no Senado, e durante os anos que eu estive lá de fato eu fui relator de muitos processos e projetos relevantes. Foi citado o impeachment como também eu fui o relator da nova lei de licitação, e de tantos outros projetos de lei que foram aprovados, de muita relevância. E autor de várias leis que foram aprovadas, e até de uma emenda constitucional, o que é difícil ser aprovada no Congresso, e uma delas foi a famosa Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Lindb), que hoje de fato, causou avanço muito positivo na istração pública brasileira porque ou a dar mais proteção ao gestor público e ao agente privado. Acho que o Senado é uma casa que tem, pela sua composição também de políticos mais veteranos, com larga experiência, como dizia do antigo grego “o Senado é a casa dos anciãos que têm sabedoria, que têm experiência”, então daí a origem da ideia do Senado. E o Senado portanto me moldou muito porque ele me permitiu conhecer, não só melhor a realidade brasileira, as diferenças entre o Brasil já que a cabo da federação, e também na participação ativa no plenário através das disposições divergentes. A democracia é muito importante, você ter tolerância com a pluralidade e reconhecer sempre a importância das opiniões adversas. Isso é fundamental no parlamento. Parlamento o que é? Falar, parlamentar, é discutir. Então fico muito feliz pois essa experiência me ajudou muito, e de fato essas relatorias relevantes me deram cada vez mais maturidade, equilíbrio e bom senso, sempre com muita equidade, mas também volto a dizer, com a racionalidade como elemento fundamental para entregarmos à população brasileira e sociedade resultados mais expressivos e concretos.
O senhor tem defendido a meritocracia como um princípio fundamental para o desenvolvimento do Brasil. Quais medidas concretas acredita serem necessárias para fortalecer esse princípio no serviço público?
Eu sempre defendi a meritocracia, até porque eu sou testemunha do êxito desse sistema. Quando estava ainda em Minas Gerais, há décadas atrás, nós criamos a escola de governo da Fundação João Pinheiro, que é um celeiro de jovens talentosos que estão hoje na istração pública estadual, federal e até no exterior. O que demonstra que de fato se nós incentivarmos, se nós prestigiarmos as pessoas para estudarem e se dedicarem, nós teremos um conhecimento técnico muito robusto. E a meritocracia é fundamental, não há país do mundo que se desenvolveu sem ter meritocracia, reconhecendo naqueles que se dedicam, que tem valor do seu esforço ou empenho, vamos dizer assim, o motor necessário para que ele progrida nas carreira e que seja reconhecido. A China imperial no ado tinha nos seus mandarins, o império otomano com os seus grandes assessores, o império romano, todos eles tinham de fato, como hoje na escola de istração pelo mundo afora, pessoas preparadas. Então acho que a meritocracia é relevantíssima e faz a diferença. Agora é claro, que ela tem que ser oferecida de maneira igual a todos. Nós temos que dar condições através da educação, que as pessoas que tenham vocação para o serviço público e gostam do serviço público possam progredir, porque também do contrário, imaginar que as pessoas vão por mérito próprio e estudos é difícil. Então cabe ao Estado fornecer os meios para que a pessoa se esforce, dedique e consiga avançar. E uma vez que tenha obtido essa, digamos assim essa oportunidade, será pelo seu valor próprio que ele avançará positivamente. Então eu defendo muito a meritocracia, ela é fundamental, não só para ingressos de serviço público, para questões de remuneração, para questões de progressão na carreira e eventualmente até, um dado que não é positivo, mas é a realidade, aqueles que não são adequados, aqueles que não comportam de acordo e que não têm o desempenho necessário devem se afastados do serviço público através de uma avaliação de desempenho. Me parece de fato o eixo fundamental, o pilar básico para uma istração pública gerencial e moderna.

No TCU, o senhor tem enfatizado a importância da atuação preventiva e do diálogo com os gestores públicos. Como essa abordagem pode contribuir para uma istração mais eficaz e para a prevenção de irregularidades?
É uma pergunta muito boa, porque me permite reiterar aquilo que nós colocamos até na Lindb, que hoje é uma lei de 2018, que no momento do julgamento, o controle deve observar as chamadas circunstâncias do gestor, que é uma sensação muito importante, por quê? Você não pode julgar uma pessoa que está aqui em Brasília e toma uma decisão cercada de todo o aparato de assessoria, com informações, com meios adequados, com aquele que está decidindo nesse momento no distrito sanitário de saúde, no interior de Roraima, dos índios yanomamis, que não tem o a informações, tem dificuldade de assessoria, muitas vezes não tem nenhum assessor jurídico, então são condições provavelmente distintas. Então o tribunal felizmente nos últimos anos tem ado a perceber a importância disso, a lei contribuiu muito. Aliás, o Tribunal de Contas União sempre foi precursor nesse esforço. Claro, punindo aqueles que agem com dolo, de ato fraudulento, atos ilícitos e criminosos, de fato isso tem que ser feito com muito rigor, mas por outro lado percebendo que na istração pública, felizmente a grande maioria dos agentes são pessoas corretas, mas que erram como todos nós humanos erramos, não é? Já dizia o governador Hélio Garcia, de quem fui secretário em Minas, só não erra quem não faz, todos nós erramos. Então o resultado, você tem de compreender esse processo nessas circunstâncias, e ter também uma orientação didática, pedagógica, preventiva, para que esses erros não ocorram, para que eles sejam evitados. Então o tribunal tem feito muito isso, como também tem ajudado muito no consenso, que é através exatamente de uma composição do conflito de modo amigável. Então acho que é uma visão nova, moderna, que o controle externo tem feito no Brasil e não só o controle, o próprio Judiciário tem feito através das conciliações, o Ministério Público também, num ambiente a evitar o litígio para orientar a istração. Que o objetivo, veja bem que eu insisto e reitero em todas as suas perguntas, é que a istração, o estado, o poder público entregue resultados ao cidadão, e para entregar resultado não é a punição, não é a questão de impor multas, é de fato que a pessoa tenha saúde, educação, que tenha infraestrutura e segurança pública.
O senhor mencionou que sua vida é indissociável da UFMG, tanto como aluno quanto como professor. Como essa ligação com a academia influencia sua perspectiva sobre as políticas públicas e a formação de novos gestores?
Eu sou uma pessoa vinculada ao conhecimento. Eu felizmente tive a oportunidade de estudar, estudei, fiz direito na UFMG, onde fiz meu mestrado, onde fui professor durante mais de 20 anos. Dou aula ainda hoje aqui na Fundação Getúlio Vargas, no IDP, nas faculdades em Minas da Fundação Presidente Antônio Carlos, então é muito importante que a questão do conhecimento seja valorizada no Brasil, eu sempre digo isso, porque sem conhecimento nós não vamos avante. Eu acho que a experiência acadêmica me dá exatamente essa possibilidade até como julgador aqui, de conciliar o conhecimento para prática. Eu sempre digo isso que é interessante que eu não sei se eu tive a felicidade ou infelicidade de ser um governador de estado, professor de Direito istrativo, porque muitas vezes em tese, na doutrina é uma coisa, na prática é outra. Você tem que saber conciliar isso com um jogo de cintura, cumprir a lei, mas também atender aos reclames das pessoas que muitas vezes precisam e a lei não dar solução imediata. Então o Direito istrativo é muito rico o que te permite essa dualidade digamos assim. E eu devo, é claro, toda a minha formação acadêmica e minha carreira profissional, a Universidade Federal de Minas Gerais e a minha Faculdade de Direito, aos meus professores, que me deram as primeiras oportunidades. Eu fui um aluno que me empenhei muito, então os professores reconheceram esse meu esforço, me convidaram para várias funções, eu trabalhei lá e acho que retribui ao longo da minha trajetória, criando escolas, universidades no estado, prestigiando educação, então isso é um dado muito importante. Eu que sou oriundo de uma família de educadores, minha avó era professora, minha mãe professora, minhas irmãs são professoras, eu sou professor, então é um ambiente muito acadêmico, por isso eu valorizo muito o conhecimento e o estudo.
Sua agenda é notoriamente intensa, com sessões plenárias no TCU às terças e quartas-feiras e compromissos acadêmicos e palestras nos demais dias. Como o senhor gerencia essa rotina exigente e quais estratégias utiliza para manter a qualidade em todas as suas atividades?
Essa é uma pergunta instigante. Eu tenho, alguns acreditam que é até uma mania, não é uma obsessão, que é a pontualidade. Eu sou extremamente rigoroso com horários, o que no mundo político você sabe muito bem não é a regra, não é? Tanto que quando eu deixei o governo de Minas e vim para o Senado eu me assustei muito. Porque no Senado o horário não é muito comprido como também na Câmara. No tribunal felizmente é muito pontual. Mas normalmente as pessoas não são. E essa falta de pontualidade atrapalha a nossa agenda. Eu sou muito planejado. Se você me perguntar, eu tenho minha agenda organizada quase até o final do ano, porque com planejamento você evita aborrecimentos, surpresas e imprevistos. Então acho que eu tenho uma agenda carregada, mas eu consigo me organizar bem tendo uma boa qualidade no meu trabalho. É que talvez sendo até modesto, acho que eu me esforço nesse sentido, e sempre fui, quer no Poder Executivo em Minas, ou na União como já trabalhei no governo Fernando Henrique, ou como senador e agora no tribunal, sempre muito produtivo. Eu sempre gostei de fazer entrega. Se eu cobro resultados para que a istração faça essa entrega ao cidadão, eu tenho que ser o primeiro a dar o exemplo. Eu sempre fui da tese que o líder político, o líder de uma organização, deve ter o exemplo pessoal, chegar mais cedo, sair mais tarde, cumprir os compromissos, ser muito educado, tudo funcionando de acordo. Pois isso cria um ambiente favorável para apresentar resultados. Então eu tento fazer isso, eu me esforço nesse sentido para ser o mais organizado possível e dar conta de todos esses compromissos sempre com muito gosto e de fato com muito empenho.
O senhor tem participado de eventos internacionais, como o Fórum Jurídico de Lisboa. Como essas experiências internacionais contribuem para sua atuação no TCU e para a melhoria das práticas de governança no Brasil?
Isso é fundamental Marcelo, porque o Brasil não está isolado no mundo, nós estamos inseridos. E o Tribunal de Contas da União hoje, felizmente, tem papel internacional de muito destaque, mercê do esforço de ministros que nos antecederam aqui há muitos anos. Hoje o TCU preside a INTOSAI (Organização Internacional das Instituições Superiores de Controle), organização mundial que reúne os órgãos supremo de auditoria, onde 200 países fazem parte, e a presidência do Brasil, com mandato de três anos, começou com o ministro Bruno e agora com o nosso presidente Vital, é uma grande honraria para o Brasil. É dessa INTOSAI que saem os normativos de controle de auditoria das contas em todos os países. Então nós obedecemos isso. Não é uma coisa que a gente inventa, isso já tem uma técnica mundial muito bem feita. E esse prestígio levou o Brasil com apoio firme do Itamaraty a sermos eleitos na Assembleia Geral dos Estados Unidos para auditar as contas da ONU. Nunca o Brasil tinha sido eleito para isso e hoje somos os auditores das Nações Unidas com um mandato de seis anos. Temos auditores do tribunal morando em Nova York fazendo esse trabalho, o que nos dá grande reconhecimento e uma grande vantagem, pois importamos a experiência. Então nós vamos saber o que está havendo de mais moderno no mundo em matéria de auditoria. E o Brasil dá exemplos o que é muito bom. Aliás a matéria de exemplos me permitam parênteses quando houve a pandemia, infelizmente no início de 2020 eu era o primeiro vice-presidente do Senado. O presidente Davi Alcolumbre adoeceu nas primeiras semanas, felizmente se recuperou, e eu assumi a presidência interinamente. E o Senado do Brasil, poucas pessoas sabem disso, foi o primeiro parlamento do mundo a manter as suas sessões virtuais. Nós já tínhamos uma estrutura toda montada. Quer dizer o Brasil dando exemplo. O Fórum Jurídico que você mencionou de Lisboa, eu tenho a honra de testemunhar a evolução porque desde o início eu faço parte dele como professor do IDP e da FGV, sempre fazendo as palestras em Lisboa e observei o crescimento e o sucesso crescente. Ele congrega professores de vários países, não só do Brasil e de Portugal e de outros países, para discutir temas relevantes. E essa troca de experiência na istração pública e no Direito é muito importante. Ninguém sabe tudo e nós temos de aprender com as outras práticas. Então essa abertura que é feita pelo mundo afora é muito bonita, se nós ficamos fechados, infelizmente nós involuímos. Para evoluir nós temos que ter contato com o mundo inteiro.