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Mensagem Subliminar
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Do empurra-empurra ao slow entertainment: como o novo ritual do rock transforma caos em memória

Rock, conforto e conexão: os shows estão envelhecendo com a gente

Fernanda Lira

27/05/2025 10h51

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Foto: Arquivo pessoal

“Eu não tenho mais idade pra isso.”

Foi o que ouvi de um amigo quando contei que fui ao show do Stone Temple Pilots no último sábado. A frase soa familiar para muita gente que já ou dos 35 e ainda se aventura em festivais de rock. Mas a verdade é que os shows também mudaram — e talvez tenham envelhecido com a gente.

O que antes era sinônimo de empurra-empurra, longas esperas e estruturas improvisadas, hoje se transforma em experiências pensadas para respeitar o ritmo de uma geração que ainda ama o som pesado, mas agora prefere vivê-lo de forma mais confortável e conectada.

A nova lógica dos eventos: menos caos, mais bem-estar

Nos anos 90 e 2000, ir a um show era um exercício de resistência: horas em pé, poucos banheiros, tumulto e nenhuma garantia de conforto. Tudo valia pela catarse coletiva. Hoje, os festivais evoluíram. Há mais organização, áreas de descanso, banheiros decentes, boa comida e segurança. O público amadureceu — e os eventos acompanharam.

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Foto: Arquivo pessoal

Um levantamento da Live Nation (2023) revelou que 62% dos frequentadores com mais de 35 anos priorizam conforto e segurança, mais até do que o próprio line-up. Isso impulsionou o crescimento de setores como o hospitality , que oferecem camarotes personalizados, o facilitado e serviços voltados ao bem-estar.

Festivais como o Best of Blues and Rock, o novo formato do Rock in Rio (com palcos dedicados às bandas dos anos 80 e 90) e o Porão do Rock seguem essa tendência. Todos se adaptaram para um público que continua apaixonado por guitarras, mas quer horários mais amigáveis, boa estrutura e tranquilidade para curtir.

Até as bandas se adaptaram. Scorpions, Kiss, Deep Purple, Europe e Stone Temple Pilots aram a considerar palcos mais bem montados, horários íveis e até incentivos para que fãs levem os filhos. O rock é o mesmo — mas agora com o conforto que sempre mereceu.

Em junho, o Arena of Blues trará ao Brasil nomes como Alice Cooper e Dave Matthews Band, duas atrações que dialogam diretamente com esse público. Alice entrega peso e espetáculo visual com profissionalismo. Já Dave Matthews oferece uma imersão sensorial: é música para sentir, contemplar e se conectar. É o show como estado de presença. Resta saber se o evento conseguirá traduzir essa promessa em uma experiência memorável.

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Foto: Arquivo pessoal

A nostalgia como força de marca

Assistir a Scorpions, Kiss ou Europe hoje é mais do que um show. É reencontro. É revisitar quem fomos. É acionar memórias guardadas em riffs, letras e refrões.

De acordo com o relatório da WGSN (2024), a nostalgia emocional é um dos maiores gatilhos de consumo cultural para as gerações X e Y. As turnês de despedida e os reencontros entre bandas seguem em alta — e o mercado publicitário entendeu isso. Marcas como Heineken, Vivo e Doritos têm apostado em festivais com apelo nostálgico para se conectar com o público adulto. Fica o recado: produtores e organizadores que quiserem atrair investimentos precisam alinhar a proposta dos eventos a esses novos posicionamentos.

Shows como rituais de cuidado e presença

Num mundo acelerado e hiperconectado, os shows têm se tornado espaços de desaceleração e encontro. São momentos de pausa coletiva. Onde se sente com o corpo, se vive com a alma e se guarda na memória.

A tendência do slow entertainment, apontada por consultorias como Canvas8 e Wunderman Thompson, vem ganhando força: menos excesso, mais imersão. Muitos adultos estão levando os filhos para shows, transformando o evento em um ritual de gerações — uma experiência que une cultura, afeto e segurança.

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Foto: Arquivo pessoal

Dados da Deloitte (2023) mostram que consumidores com mais de 35 anos priorizam o bem-estar emocional em experiências culturais. O mercado tem respondido: eventos que terminam cedo, ambientes confortáveis e programações que cabem na vida adulta.

O Porão do Rock 2025 foi um exemplo emblemático. No último fim de semana, reuniu 10 mil pessoas no estacionamento da Arena BRB com uma estrutura impecável: três palcos com som potente, horários respeitados, banheiros limpos, mesas para descanso, gastronomia diversa (do lanche à refeição completa), ativações das marcas, pista de skate, tirolesa, área gamer e até um palco interativo para o público tocar. Foi diversão sem estresse, do início ao fim.

O festival foi mais do que uma maratona de shows: foi uma viagem no tempo com a estrutura do agora. Uma experiência sensorial entre memória, presença e som.

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Foto: Arquivo pessoal

Oportunidade para marcas e produtores

A maturação dos festivais revela caminhos claros para quem atua com eventos e branding:

  • Conforto é valor, não luxo.
  • Nostalgia é elo, não saudosismo.
  • A experiência começa antes do show — e continua depois.
  • O público busca mais do que entretenimento: busca sentido, conexão e pertencimento.

Quando o rock amadurece com você

No sábado, 24 de maio, os shows terminaram cedo — bem diferente do que conheci em décadas anteriores. Nenhum sinal de cansaço. Apenas alegria. Saí com a alma leve, o coração cheio e a memória abastecida.

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Foto: Arquivo pessoal

Não precisei escolher entre trabalhar e me divertir, entre segurança e emoção, entre ado e presente. Tudo aconteceu ao mesmo tempo, de forma fluida, com espaço para levar lembranças pra casa.

Talvez a maior revolução silenciosa seja essa: os shows estão encontrando a idade certa pra gente. E quem ainda diz que não tem mais idade pra isso, talvez só não tenha vivido essa nova forma de sentir o rock.

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