Ser Pelé parecia não ser boa coisa (dentro de campo, evidentemente), pelos inícios da década-1960, quando ele vencia quase tudo o que disputava. Os marcadores queriam arrancar as suas canelas e as torcidas adversárias o vaiavam, demoradamente, quando a escalação do Santos era anunciada, principalmente nos estadinhos que recebiam jogos do Campeonato Paulista.
Para apanhar menos, o Pelé de 1963, por exemplo, procurava jogar, cada vez menos, individualmente. Mas não eram só marcadores que queriam trucidá-lo. Juízes e bandeirinhas não perdiam a chance de tentar aparecer em cima do cartaz dele. Alguns tentavam irritá-lo, para arrumar discussões e ganhar manchetes no rádio, na TV e nos jornais. Era o caminho mais curto para a promoção. Dondinho, o pai da fera, revoltava-se. Em conversas com os mais chegados, reclamava: “Tem juiz que ameaça o Dico antes mesmo de o jogo começa. Qualquer pequena falta é motivo para exigir que ele abaixe a cabeça e cruze as mãos nas costas. Há alguns que não o perdem de vista, invocam até com as suas comemorações de gols. Parecem querer proibir-lhe a alegria”.
Implicitamente, Dondinho reclamava, sobretudo, Armando Marque, que partia para cima de Pelé com o dedo em riste para o seu rosto, jogando a torcida adversária contra o atleta e fazendo-o ouvir pesadas vaias, com o que o Camisa 10 se injuriava: “Nada me dói mais do que uma vaia, até mesmo quando ele é justa”, disse Pelé, em várias oportunidades.
A antipatia por Pelé na conta dos torcedor paulistano e paulista desconsiderava o seu feito durante a Copa do Mudo-1958, quando foi campeão e considerado “Rei do Futebol” pelos ses. Partia da indiscutível superioridade do Santos e do cada vez maior brilhantismo do Camisa 10 no placar. Certa vez, ao ser expulso de campo, por Armando Marques, em Santos 1 x 4 São Paulo, em 15 de agosto de 1963, o Pacaembu dedicou-lhe uma estrepitosa vaia. Não parecia ser gritada pelos mesmos que o aplaudiam quando ele vestia as camisas das seleções brasileira e paulista.A vaia (dos paulistanos e paulistas) tornou-se uma companheira inseparável na vida do Dico – queixou-se Dondinho, depois daquele jogo. Pela mesma oportunidade, Pelé desabafou por um microfone de rádio:
Não me sinto merecendo isso. Vejo perseguição contra quem faz tudo para entregar o melhor ao torcedor que vem ao estádio. Não fui em quem inventou essa história de que sou o melhor jogador do mundo. Não o sou e este ainda não nasceu. O melhor tem que ser o maior em todas as posições. Posso ser o melhor da minha, Só isso! As vezes, eu gostaria de não ter nascido pra ser tão castigado pelo público que torce contra o Santos. Muitos achavam que Pelé era tremendamente apupado pelos torcedores dos times que enfrentavam o Santos porque a imprensa dizia ser ele um homem rico, proprietário de nove apartamentos, em Santos, e de fortuna calculada em 200 milhões de cruzeiros (muitíssimo para a década-1960).
Se o Pelé fosse a Brigitte Bardot, loira e linda, nenhuma torcida o apupava – afirmou um sociólogo, lembrando que o “Rei do Futebol” era negro e filho de família pobre.