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Além do Quadradinho
Além do Quadradinho

A composição poética e os variados ritmos de Letícia Fialho

Na ‘Além do Quadradinho’ desta segunda (17), a artista fala sobre ancestralidade e os universos poéticos que colorem a atmosfera de suas canções

Thaty Nardelli

17/07/2023 15h14

Foto: Bruno Soares/Divulgação

Cantora, compositora e multi-instrumentista, Letícia Fialho vem quebrando os limites do Distrito Federal, não apenas nas plataformas digitais, meio em que já acumula mais de 200 mil ouvintes mensais, mas levando todo o seu “Corpo e Canção” Brasil afora.

“Tem sido muito especial! É muito forte ver como as músicas tocam as pessoas de diferentes formas. Me sinto honrada quando alguém para e ouve as minhas músicas. É muito doido sair por aí e olhar no olho dessas pessoas que, até então, eram números em uma tela”, conta Fialho.

Na Além do Quadradinho desta segunda (17), a artista fala sobre ancestralidade e os universos poéticos que colorem a atmosfera de suas canções.

Foto: Thaís Mallon/Divulgação

Suas letras trazem muito da sua ancestralidade, um aconchego… você tem muitas recordações da sua infância?

Minha infância foi muito especial, um período que influencia muito minhas músicas. Cresci no Guará, brincando em pracinha, andando de bicicleta, subindo em árvore e outras aventuras mil com a criançada da quadra. Como venho de família carioca, as férias eram sempre no Rio de Janeiro, sobretudo no subúrbio, Bangu, origem da minha família. Brincadeiras de quintal, pipas, Carnaval na rua com fantasia costurada pela vó, histórias de ancestralidade e identidade.

De alguma forma, então, não só a nossa cultura, mas o Rio de Janeiro está marcado na sua essência?

Sim, sempre esteve muito presente os elementos sagrados do subúrbio carioca: futebol, Carnaval, samba e espiritualidade. Além disso, a orientação e incentivo dos mais velhos ao estudo como chave fundamental e indispensável. Muitos amigos-crianças & muitos amigos-livros. Muita musicalidade me guiando sempre em todos os cantos da família. Muita poesia em vivência e em palavras. Meu pai e minha mãe sempre presentes e amigos e sensíveis. Tudo isso são memórias vivas e presentes em cada o e em cada parte do que sou e faço hoje.

Desde criança, então, a música esteve presente na sua vida…

Acho que quando eu entrei nessa vida a música veio junto comigo. (risos) São muitos os relatos de família sobre minha afinidade com a música desde muito pequena. Meus pais ouviam muita música em casa, principalmente música brasileira, e eu aprendi a cantar as coisas que ouvia. Meu pai conta que com uns 4 ou 5 anos, ele me levava para confraternizações de professores (meu pai é professor) da escola em que trabalhava e quando alguém tocava violão eu pedia logo pra cantar “Por Enquanto”, do Renato Russo, gravada pela Cássia Eller, e “Madalena”, do Gilberto Gil.

Aprender a tocar instrumentos também veio nessa época?

Um pouco mais tarde, com uns 7 anos, ganhei um tecladinho de Natal e já esboçava “tirar” músicas de ouvido. Na sequência, entrei na Escola de Música de Brasília, mas logo me mudei para o Rio de Janeiro com minha família e lá comecei, aos 10 anos, a estudar violão em uma escolinha do bairro em que morava. Já perto dos 12 anos, descobri em casa dois livros da minha mãe que foram um divisor de águas: “A Hora da Estrela”, da Clarice Lispector, e uma antologia poética do Vinícius de Moraes. Eu nem sabia muito bem quem eram esses nomes, mas ali foi meu primeiro contato mais marcante com o poder e a magia das palavras, com o universo da poesia. Descobri a poesia enquanto aprendia a tocar violão, então o caminho da composição se apresentou de forma inevitável! Palavra e música, essa era a matéria prima que encantava e segue encantando meu coração.

Inclusive uma das coisas que mais se destaca em sua trajetória é o fato de, além de ser musicista, você ser compositora. Como você enxerga essa posição de poder contar as próprias histórias e reivindicar esse espaço de autoria?

Enxergo como um caminho fundamental. As mulheres autoras sofreram um enorme apagamento histórico na música brasileira, sobretudo mulheres negras, e é importante essa reivindicação de autoria. É importante que nossa história não seja contada em terceira pessoa. Reverter esse foco narrativo é reverter opressões históricas e estruturas coloniais de legitimação apenas de narrativas hegemônicas.

E quando você sentiu que realmente gostaria de levar a música como “algo profissional”?

Eu sempre quis, mas existe um estigma muito grande nessa carreira e um tabu em torno da decisão de “ser artista profissionalmente”, justamente por ser uma profissão precarizada em nosso país. Fui aos poucos construindo essa caminhada… aos 17 anos comecei a participar de festivais de música como compositora, já sendo premiada, aos 18 anos, fui tocar minhas músicas em pequenos shows em bares da cidade, ei por vários grupos que foram grandes escolas e fui lançando meus álbuns ao longo dos anos enquanto dava aulas de Português, minha formação acadêmica e escolhida pela paixão pelas palavras, até chegar ao momento atual: depois de 15 anos de carreira, vivo da minha música.

Sim, inclusive, você fez parte de outros grupos que deixaram marca no DF, como o Chinelo de Couro e a banda Contém Dendê. Como isso acrescentou na sua trajetória?

Acrescentou muito! Desde antes de fazer parte desses grupos, eu já me apresentava também como artista solo, concomitantemente. Essas vivências agregaram muitos aprendizados tanto para minha composição quanto para o meu coração. E também nessa relação com a música como profissão, o Chinelo de Couro, por exemplo, me deu o palco. Costumo falar dessa forma porque antes do Chinelo o palco era um lugar mais intimidador, e tocando forró toda semana o palco se tornou casa. Se tornou um lugar em que me sinto hoje muito à vontade. Esse e muitos outros aprendizados técnicos e afetivos vieram dessas vivências em coletivo.

Suas canções trazem uma criação muito original, genuína e particular, às vezes sentimentos são os protagonistas, noutras as suas vivências em outros lugares e, até mesmo, suas crenças. Como você enxerga Brasília dentro dessas inspirações?

Brasília é esse lugar controverso, feito pra ser uma coisa e sendo, à revelia, outras coisas. Eu acredito em Brasília como uma cidade-encruzilhada, mais do que uma “cidade-avião”. Uma “cidade-gente”, não uma “cidade-máquina”. Uma cidade que tem Carnaval, que tem mestra Martinha do Coco, que tem o Boi do Seu Teodoro… Um lugar que foi construído por mãos negras apagadas pela história e resgatadas por nós. Que traz de todos os cantos pessoas com suas histórias, sotaques, ritmos, poéticas, memórias reunidos nessa encruzilhada. É essa Brasília que inspira toda a minha palavra e toda a minha música.

Seu primeiro álbum, “Maravilha Marginal”, já bateu quase 8 milhões de ouvintes nas plataformas digitais. Particularmente, foi um álbum que me acompanhou durante a pandemia, um aconchego no meio do furacão. Durante esse momento pandêmico, como foi para você ver sua música alcançar números estrondosos, mas sem subir nos palcos?

A música “Maravilha Marginal” tem hoje quase 1,8 milhão de plays nas plataformas e o álbum completo está, sim, perto dos 8 milhões. Mas foi terrível ficar sem o palco e sem os encontros com minhas amigas e amigos de profissão. Ficar sem a troca real com o público. Foi terrível ficar privada de fazer o que mais amo fazer nessa vida. Um período muito duro, de muitas pancadas da vida, mas também curioso, porque, justamente, durante esse período minhas músicas começaram a atingir públicos fora de Brasília. Eu não podia sair de casa, mas minhas músicas sim. E elas foram trabalhar!

Uma coisa curiosa é que você tem parceria com muitos artistas, mas em todos os seus singles e álbuns lançados, você faz questão de se envolver na produção musical. Como é esse processo para você?

Antes de gravar um trabalho eu faço muita pesquisa e o muito tempo trabalhando na concepção estética e isso abrange diferentes áreas do processo… Acaba que acompanhar todas essas frentes é garantir que a história seja contada sem distorções. Cada trabalho conta uma história que precisa ser cuidada.

Sua música tem ganhado cada vez mais ouvintes fora do quadradinho. No Spotify, por exemplo, você já acumula 200 mil ouvintes mensais, que são de diversas regiões do Brasil e do mundo. Como tem sido para você alcançar novos públicos não só virtualmente, mas fazendo cada vez mais shows Brasil afora?

Tem sido muito especial! É muito forte ver como as músicas tocam as pessoas de diferentes formas. Me sinto honrada que alguém pare para ouvir minhas músicas, e mais ainda quando alguém se conecta com elas. Seja uma pessoa ou 200 mil, me emociona muito.
Sim, é muito doido sair por aí e olhar no olho dessas pessoas que até então eram números em uma tela. Encontrar, abraçar, ouvir suas histórias com minhas músicas. Ouvir as pessoas cantando juntas… É muito especial e muito novo. Muitas pessoas saem de cidades próximas para ir aos shows, e tenho ouvido esses relatos. É muito forte! a um filme na cabeça de anos e anos de muita dedicação, suor, lágrimas e fé. Não consigo nem explicar a sensação, é muito…

Conta para a gente que quer mais de Letícia Fialho: algum projeto saindo por aí?

Em breve sai uma música inédita minha em parceria com Thanise Silva, depois sai EP meu com Murica, grande pérola da nossa terra. E, também, álbum novo! 

Acompanhe o trabalho de Letícia Fialho:
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